Passei a minha vida bailarinística escutando: “você não pode dançar sem alongar!” SERÁ?
Quando
sentei pra escrever este post eu caí na real que eu era uma aluna chata, sabe aquela nerd que no final da
aula vai atrás do professor perguntando “porque..., por que, porquê! POR QUÊ??”
pode chamá-la de Bárbara.
Infelizmente
a maioria das vezes eu não tinha a resposta mais adequada:
Professor:
“Tem que alongar pra não machucar”
Bárbara:
“Por quê?”
Professor:
“Porque senão vai machucar”
Bárbara:
...L
Então,eu alongava... alongava tanto que eu ficava toda mole. Eu não me sentia bem,
mas não entendia, já que estava fazendo o que o professor “mandou”; eu tinha
dificuldade de ficar no balance ou de fazer um developpe, e custava a voltar ao
“normal” (lembra dos sarcômeros fora do comprimento original para a geração de
força? Eu não fazia a menor ideia na época... descubra o que são sarcômeros
aqui: barbarapessalimarques.blogspot.co.uk/2017/04/precisomelhorar-minha-flexibilidade).
Um
dia eu me atrasei, e não tive tempo de fazer todos os alongamentos antes da
aula. Estava quente, eu subi a escada correndo, saltei pra dentro da sala e já
aterrisei no grand plié. Foi a melhor aula da minha vida. Não consigo esquecer
como o meu corpo estava responsivo, como saltei alto, como girei 3 piruetas
(pra direita hihi, mas ai a culpa é do lado favorito, vamos discutir isso em
breve). Nunca mais alonguei da mesma forma antes da aula, apenas aqueci.
Eu
ainda não sabia o PORQUÊ aquecer ao invés de alongar me fez tão bem, já que meu
professor falava tanto o oposto. 10 anos se passaram e hoje em dia eu sei a
resposta (yupyyyyy) e vou te contar (sortudo):
Para começar
(e reunindo o conhecimento que tivemos sobre flexibilidade no post anterior;
barbarapessalimarques.blogspot.co.uk/2017/04/precisomelhorar-minha-flexibilidade)
vamos diferenciar alongamento de flexibilidade. Flexibilidade é uma capacidade
física que representa a amplitude de movimento alcançada em uma articulação,
enquanto alongamento são exercícios que fazemos para melhorar a flexibilidade.
Como
dissemos brevemente no post anterior, treinar flexibilidade antes da aula pode
prejudicar a sua capacidade de produzir força, então eu recomendaria treinar
flexibilidade no final da aula, porém, alguns alongamentos podem sim ser
realizados objetivando o aquecimento.
“Oi? ‘Treinar
flexibilidade’ é diferente de ‘alongar’?”
Boa
pergunta: Sim!
Vamos
repetir: alongamentos são exercícios feitos para melhorar a flexibilidade, mas
como já aprendemos (post anterior: terceira chance de acessar aqui barbarapessalimarques.blogspot.co.uk/2017/04/precisomelhorar-minha-flexibilidade),
para realmente melhorar a flexibilidade é muito importante que o treinamento
seja periodizado, controlando a carga de treino (intensidade, duração, número
de séries, recuperação, frequência e volume... lembra?). Se não houver essa
periodização, você não está de fato treinando flexibilidade. Mas você está
movimentando? Sim, então na verdade, você está usando alongamentos para se
aquecer e não para treinar flexibilidade.
“Mas
o que é aquecimento?”
Aquecimento pode
ser definido como o aumento da temperatura corporal, simplesmente isso. E pode
ser feito através da influência do meio-ambiente, recursos terapêuticos ou
contração muscular (MAGEE; ZACHANEWSKI; QUILLEN, 2007). Existem dois tipos de aquecimento:
geral e específico. O aquecimento geral deve possibilitar um funcionamento
ativo do organismo como um todo. Para isso devemos fazer exercícios que utilizam
de grandes grupos musculares (como correr por exemplo). Já o aquecimento
específico utiliza exercícios específicos para uma determinada modalidade (como
alongamento balístico no caso da dança, bater a mão no chão, fazer uma grande
quarta, chocles, grand battments aumentando a altura da perna devagar). De
preferência, comece com o aquecimento geral e depois vá para o específico, mas
o importante mesmo, é ir aumentando a intensidade aos poucos, de acordo com o
aumento da temperatura corporal.
“Ai meu Deus!! Grand
battment no começo da aula???!!! Posso fazer isso?”
É claro que você
não vai entrar na sala e chutando a testa logo de cara como se não houvesse
amanhã (eu espero), mas ao mesmo tempo falar que não pode fazer grand battment
no início da aula não faz sentido, tudo depende da intensidade do exercício, ou
seja, do quão forte você vai chutar ou do quão alto você vai fazer isso. Respeitando
o seu corpo não existe certo ou errado, existe certo “se”, errado “se”. Fazendo
isso você estará usando um exercício de alongamento para aquecer e não para
alongar, entendeu agora a diferença?
“Por que aquecer
antes da aula?”
Quando
a temperatura interna aumenta ocorrem alterações em vários tecidos e sistemas
do corpo:
O
aquecimento pode diminuir o risco de lesões porque aumenta o aporte de oxigênio
para os músculos envolvidos, podendo inclusive aumentar o desempenho muscular
devido à adaptação do corpo ao estresse do exercício de forma mais rápida. É
possível realizar mais tempo estável de exercício e aumentar a capacidade de
concentração (ALENCAR; MATIAS, 2010). Além de promover o aumento da temperatura
muscular, que tem efeito nas propriedades físicas e mecânicas do colágeno (MAGEE;
ZACHANEWSKI; QUILLEN, 2007), metabolismo energético, elasticidade do tecido e
do recrutamento das unidades motoras.
Vamos
por partes:
Quando
o músculo está aquecido mais sangue é direcionado para ele, isso aumenta a
oxigenação e nutrição, já que para gerar energia precisamos de substratos
(comidinha para o músculo) e é o sangue quem leva os subtratos e recolhe o “lixo”
resultante das reações químicas para geração de energia (cenas do próximo
capítulo), deixando o músculo sempre nutrido e preparado para ser utilizado,
esse aumento da produção e consumo de energia pode ser considerado aumento do
metabolismo energético.
Para
que o músculo contráia e cause movimento é preciso um comando. Esse comando é
enviado (normalmente) pelo sistema nervoso central por meio dos neurônios. Quando
esse impulso nervoso chega até o músculo a “conexão” entre as terminações dos
neurônios e as fibras musculares são chamadas de unidades motoras. Quando
precisamos fazer pouca força apenas algumas unidades motoras são ativadas, na
medida que a quantidade de força demandada aumenta, mais unidades motoras são
recrutadas. O aquecimento faz com que todos os responsáveis por esse caminho
fique “acordados e atentos”, há uma melhor sensibilidade dos proprioceptores e das
unidades motoras a serem recrutadas, além disso, o sistema fica mais
coordenado, e, trabalhando em conjunto, fazem com que a capacidade de suportar
a carga fique aumentada (você vai se estar mais forte, saltar mais alto e seu
corpo vai absorver mais os impactos diminuindo o risco de lesões).
O
músculo aquecido possui alterações da atividade de proprioceptores (receptores
localizados no músculo) que respondem a alterações de carga mecânica (o tanto
que seu músculo contrái ou estira), também chamados mecanorreceptores. Ou seja,
sensibilidade do fuso muscular diminui com consequente aumento da sensibilidade
dos órgãos tendinosos de golgi, contribuindo para o relaxamento muscular (ALENCAR;
MATIAS, 2010; MACIEL; CÂMARA, 2008) (Se você quiser entender sobre esses
mecanorreceptores e como utilizá-los para aumentar o resultado do treinamento
de flexibilidade faça o curso de Flexibilidade para Bailarinos do Bastidores).
Em
movimentos rápidos, o relaxamento resultante do aquecimento é fundamental na
prevenção de lesões dos músculos antagônicos (GREGO et al., 1999), que são os músculos opostos aos músculos que estão
exercendo o movimento (ex: No Grand battment devand o quadríceps – músculos anteriores
da coxa - são os agonistas e os isquiotibiais – músculos posteriores da coxa -
os antagonistas).
Outro
estudo realizado em animais demonstrou que em temperaturas elevadas, há um
aumento da elasticidade e diminuição da rigidez, quando submetido ao
alongamento (MAGEE; ZACHANEWSKI; QUILLEN, 2007). Ou seja, a viscosidade do
músculo altera, ele se torna mais molinho, mais maleável, mais flexível.
A
temperatura ambiente também deve ser considerada. Imagine aquele mesmo gel de
cabelo (post passado) debaixo do Sol quente e saudoso do Brasil, agora manda
ele aqui pra mim e imagina como ele ficaria mais duro, rígido, menos maleável e
menos flexível no frio da Inglaterra. O mesmo acontece no nosso músculo em dias
quentes e frios. O que não significa que a flexibilidade diminuiu, só que o
músculo está mais rígido e você precisa realizar mais força para chegar na
mesma amplitude. Ou... aquecer adequadamente para diminuir a rigidez.
Por
fim, estudos concluem que apenas cinco minutos de aquecimento é suficiente para
garantir todos esses benefícios, porém, escute o seu corpo, cada bailarino/ser
humano, possui uma composição corporal diferente. Então, enquanto para o seu
colega dar uns pulinhos e bater a mão no chão três vezes é suficiente para
aquecer, pra você pode ser necessário correr, aumentar a intensidade (lembrando:
sempre progressivamente) ou até mais que cinco minutos.
Isso
tudo dito, eu que te pergunto: você pode dançar sem alongar?
Quer
mais informações sobre preparação física para bailarinos? Acompanhe os posts de
Bárbara Pessali Marques (também disponíveis no blog da Ana Botafogo) e a nossa
página no facebook facebook.com/bastidorestreinamento
ou entre em contato: barbarabastidores@gmail.com
Gostaria
de se aprofundar no assunto? O Bastidoes oferece cursos teóricos presenciais e
online para bailarinos e professores. Fique de olho!
Referências:
MAGEE, D.J.; ZACHANEWSKI,
J.E.; QUILLEN, W.S. Scientific foundations and principles of practice in
musculoskeletal rehabilitation. Saunders Elservier. 2007.
MACIEL, A.C.C.; CÂMARA, S.M.A. Influência da
estimulação elétrica nervosatranscutânea (TENS) associada ao alongamento
muscular no ganho de flexibilidade. Rev.
Bras.Fisioter. São Carlos, v. 12, n. 5, p. 373-378,Set/Out, 2008.
GREGO, L.G.; et
al. Lesões na dança: estudo transversal híbridoem academias da cidade de
Bauru-SP. Rev. Bras. Med. Esporte. v.
5, n. 2, p. 47-54, Mar/Abr, 1999.
ALENCAR, T.A.M.; MATIAS, K.F.S. Princípios
fisiológicos do aquecimento e alongamento muscular na atividade esportiva. Rev. Bras. Med. Esporte. v. 16, n. 3,
p. 230-234, Mai/Jun, 2010.
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