sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016


Hoje venho apresentar dois links publicados no International Association for Dance Medicine and Science pela pesquisadora Clara Fisher Gam sobre a Ciência da Dança no Brasil.

Me sinto muito orgulhosa por ser uma das pioreiras na área da Ciência da Dança no Brasil e portanto, ter podido contrubuir para essas publicações!

Confiram os posts na página da associação pelos links:

Bridging Dance and Health in Brazil, Part I: The early steps of an emerging field.

http://www.iadms.org/blogpost/1177934/237549/Bridging-Dance-and-Health-in-Brazil-Part-I-The-early-steps-of-an-emerging-field?hhSearchTerms=%22clara%22&terms=

Bridging Dance and Health in Brazil II: Raising Awareness

http://www.iadms.org/blogpost/1177934/240005/Bridging-Dance-and-Health-in-Brazil-II-Raising-Awareness


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Por que o bailarino tem que ser magro?

Existem alguns motivos que fazem com que o bailarino deva ser “magro”; estética é o primeiro, mas não o mais importante. O segundo é devido ao peso que os bailarinos do sexo masculino (mesmo feminino hoje em dia) tem que suportar para carregar seus colegas de cena. Ainda mais considerando jovens bailarinos (ou aqueles que também não fizeram fortalecimento e, portanto, são fracos).

O terceiro motivo é por conta da sobrecarga em articulações e na unidade músculo-tendão (músculo). Um estudo realizado por AQUINO e colaboradores em 2010 sugere que os bailarinos estão expostos à impactos no solo que podem lesionar e HAMILTON e colaboradores em 2006 analisaram o impacto dos saltos e aterrissagens no ballet sugerindo um impacto de três a cinco vezes o peso corporal.

Isso significa que se uma bailarina pesa 50 kg, ao aterrissar suas estruturas corporais (tornozelo, joelhos, quadril e coluna principalmente) devem estar preparados para receber uma carga de 150 a 250 kg por salto! Se ela executa 10 saltos, o impacto pode ser de 1500 a 2500 kg por dia (cá entre nós sabemos que um bailarino não executa apenas 10 saltos por dia...). Se essa mesma bailarina engorda e passa a pesar 60 kg, esses valores passam a ser de 180 a 300 kg por salto!

Um quarto motivo é o fato de que, se o bailarino é mais pesado a força que ele mesmo tem que fazer para sustentar a própria perna ou qualquer outro segmento corporal é maior. Logo, developpés, grand battements e todos os passos podem ficam simplesmente “mais difíceis”.

Gostaria de deixar claro que quando falo de engordar estou me referindo a ganho de gordura. Uma coisa que nem todos sabem é que músculo pesa mais que gordura, mas ocupa menos espaço. Lembra da pegadinha do “o que pesa mais? 1 kg de algodão ou 1 kg de ferro?”. Os dois pesam o mesmo tanto, mas o algodão ocupa um volume muito maior. O mesmo com o músculo e a gordura.
Volume ocupado por 1kg de gordura (esquerda) e 1kg de músculo (direita)


É importante estabelecer essas diferenças porque muitos bailarinos que iniciam a preparação física acham que engordaram ao subirem na balança e constatarem que o peso aumentou. Cegos com o que acham que o peso significa, criados por valores e conhecimentos errados, saem correndo da preparação física. Aviso: A BALANÇA NÃO MEDE O SEU PERCENTUAL DE GORDURA. O que acontece na maioria dos casos é que você aumentou sua massa magra (músculo) e diminuiu sua massa gorda (gordura). Você está aparentemente mais “fino”, a circunferência dos seus membros diminuiu, mas na balança o seu peso pode ter aumentado. O que isso significa? Que você está como deve ser, forte e magro. BENNELL e colaboradores (1999) concluíram em sua pesquisa que uma boa carreira clássica demanda de um bailarino FORTE e flexível. Então a partir de hoje, não tente avaliar o seu físico pelo peso medido na balança, e não aceite comentários como “você está gordo!” só porque você pesa mais que outra pessoa.

Quando faço esse discurso sempre ouço a pergunta quase imediata: “Mas então se eu tiver menos músculos eu vou ser mais leve e poderei sustentar minha perna mais alto ou saltar mais alto!” Não!!! Porque os responsáveis pelo movimento do esqueleto são os músculos, se você tiver menos você vai saltar mais baixo e não vai sustentar sua perna alta. Quanto mais músculos mais força, mesmo que o seu peso aumente, a capacidade de geração de força de um músculo é muito maior que o peso desse mesmo músculo e não é porque o seu peso aumentou que a circunferência dos seus músculos também aumentou.

Infelizmente ainda recebemos alunos no Bastidores que chegam estabelecendo as regras (de todos os seus 5 minutos de pesquisas na internet ou de conselhos errados que ouviram) “Quero treinar apenas minha flexibilidade porque se eu fizer musculação vou ficar com a coxa muito grossa”. Essa frase é tão comum que Twitchett e colaboradores (2009) fizeram uma pesquisa sobre isso e destacaram que dançarinos temem realizar o treinamento de força, por medo da ocorrência de hipertrofia (aumento de massa magra), que poderia prejudicar a estética do bailarino. 

No entanto, poucos bailarinos sabem que não é bem assim. A carga de treinamento pode ser manipulada para aumentar a força sem necessariamente resultar em hipertrofia (WEINECK, 1991). Mas esse pré-conceito está tão estabelecido em suas mentes que só em ouvir a palavra “caneleira” eles entram em desespero.

Gostaria agora de fazer um apelo aos pais e aos professores desses bailarinos. Vamos parar de acreditar em afirmações sem embasamento científico. Peso não é referência, precisamos de mais medidas como circunferência e percentual de gordura para avaliar o físico de um atleta/bailarino. Trabalho de força é essencial para uma carreira saudável, não associem musculação com hipertrofia, temos pesquisas suficientes para provar que treinamento de força não necessariamente fará com que o seu músculo aumente de volume, e pesquisas suficiente que demonstram a importância do treinamento de força na dança.

Professor, vamos acabar com a lacuna entre Ciência da Dança e prática da dança, oriente o seu bailarino de forma adequada, se você precisar de ajuda O BASTIDORES ESTÁ AQUI PARA TREINAR O SE ALUNO JUNTO COM VOCÊ! Lembre-se que você é a maior referência para o seu aluno. Artigos científicos e pesquisas caem por terra quando você faz uma afirmação, o seu aluno vai acreditar no que você disser, então... CUIDADO.

Pais, não deixem o seu filho bailarino ser influenciado por afirmações de conhecimento popular sem embasamento científico que podem atrapalhar a carreira e afetar o emocional dele.

Este post é um apelo ao pais e professores dos bailarinos. Um apelo do fundo do coração de uma pessoa que vê o constante sofrimento devido ao perfil físico imposto principalmente aos bailarinos clássicos, e mais do que isso, a errada ideia que é passada em busca da aquisição desse perfil.


Misty Copeland. Primeira Bailarina do American Ballet
"Sua coxa não é tão fina, seus braços não são tão compridos, ela tem muito peito para uma bailarina, ela é muito musculosa... ela é negra!" Foram comentários que ela provavelmente ouviu que fizeram ela quase desistir, mas ela passou por cima de todo o esteriótipo da bailarina com sua técnica e talento. 
Sua força, física e emocional fizeram ela fazer história.

Referências:

AQUINO, C.F.; et al. Análise da relação entre dor lombar e desequilíbrio deforça muscular em bailarinas. Fisioter. Mov. v. 23, n. 3, p. 399-408, Jul/Set, 2010.


HAMILTON, D.;et al. Dance training intensity at 11–14 years is associated withfemoral torsion in classical ballet dancers. Br. J. Sports Med. v. 40, n. 4, p. 299-303, Abr, 2006.

BENNELL K.; et al. Hip and ankle range of motion and hip muscle strength in young novice female ballet dancers and controls. Br. J. Sports Med. v. 33, n. 5, p. 340-346, Out, 1999.

TWITCHETT, Emily A.; KOUTEDAKIS, Yiannis; WYON, Matthew. Physiological fitness and professional Classical ballet performance: abrief review. The Journal of Strength and Conditioning Research. v.23, n. 9, p.2732 -2740, dez. 2009.

WEINECK, Jurgen. Biologia do esporte. São Paulo: Manole, 1991, cap. 4, p.181-205. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Por que a preparação física é importante na dança?

Muitos professores e bailarinos não compreendem a real importância da Preparação Física para Bailarinos e existe uma lacuna gigantesca entre a pesquisa em Ciência da Dança e a prática da dança. Acontece que lesionar hoje é tão comum que é considerado "normal", mesmo em crianças de 10 anos, logo na fase em que estão aumentando a carga de aulas e ensaios, e, infelizmente, muitas das lesões são ocasionadas por excesso, é o que chamamos de lesões crônicas.

Para entender melhor o que é uma lesão crônica vamos imaginar por exemplo uma folha de papel e uma caneta. Se você encostar a caneta na folha você pode fazer um belo desenho, mas se você continuar engrossando as linhas do seu desenho para tentar deixar ele "perfeito" uma hora a folha vai rasgar em um dos pontos em que você passou a caneta mais vezes. 



O mesmo acontece com o nosso corpo. Se você fizer um movimento você não vai se lesionar, mas se você repetir muitas vezes o mesmo movimento alguma parte do seu corpo que foi solicitada muitas vezes pode não aguentar.  O famoso ditado popular “água mole em pedra dura tanto bate até que fura" é uma excelente analogia para entender o que é lesão crônica.

"Mas a concorrência é muito grande e eu preciso ensaiar muito para adquirir a técnica que eu gostaria ou que meu professor/coreógrafo exige para que eu conquiste o papel de destaque na peça!"

O que é certo então para adquirir uma boa técnica e não lesionar?  Fazer duas aulas todos os dias? Uma aula todos os dias? Uma aula três vezes na semana? A resposta certa é: DEPENDE.

Depende da intensidade da aula, depende dos movimentos que você faz, depende do que mais você faz no seu dia, depende das suas horas de sono, depende do que você come e depende principalmente se o seu corpo está preparado para aquela sobrecarga. Ou seja, essa resposta é completamente INDIVIDUAL.

"Como eu posso saber se o meu corpo está preparado?" 

Existem testes de força, flexibilidade, postura, capacidade aeróbica e anaeróbica que podem fornecer informações importantes sobre o seu estado físico atual. Mas esses testes são só metade do caminho, o profissional de Educação Física responsável pelo seu treinamento precisa entender de dança e manter contato com os seus professores para tentar estimar (infelizmente não temos como medir precisamente porque precisamos de equipamentos laboratoriais para isso) a intensidade das aulas que você faz.

Dessa forma temos uma equação simples que será representada abaixo:
Se sua força é 10 e a força que você precisa para dançar é 12 você vai machucar, porque você precisa de 2 forças a mais. Mas se sua força é 14 e você precisa de 12 você não vai machucar, porque você ainda tem 2 forças a mais do que a sua dança requer.

Então a importância da Preparação Física é deixar o seu corpo preparado para o esforço que você precisa realizar, independente se sua necessidade é de uma aula por dia ou de 8 horas por dia dançando. 

Não podemos dizer que preparando o seu físico você NUNCA vai machucar, porque todos os esportes e atividades de alto rendimento estão predispostos a lesões, já que tentamos sempre alcançar o nosso máximo. Mas, com certeza, podemos dizer que a probabilidade de você lesionar seria consideravelmente reduzida. 

Quanto mais cedo você começar com a preparação física mais garantia do sucesso desse trabalho você terá. Porque uma vez lesionado retornar ao corpo saudável sem parar de dançar é uma tarefa muito árdua, e quando você já faz atividades por 6 horas por dia acrescentar mais duas horas de treinamento especializado por semana pode até ser uma sobrecarga maior, se não for adequada por profissionais conscientes. 

Por último, mas não menos importante, a Preparação Física pode te ajudar a melhorar o seu desempenho com exercícios específicos para os passos que você não dá conta de fazer nas aulas ou coreografias, já que muitas vezes o insucesso na realização de um passo não é devido à falta de consciência técnica, mas sim pela falta de capacidades físicas para realizá-lo.  

Todas as modalidades esportivas de alto rendimento possuem profissionais da área do treinamento em equipes multidisciplinares compostas por profissionais de Educação Física, Fisioterapia e Nutrição, dentre outros, para preparar seus atletas. Está na hora de introduzirmos esse trabalho na dança!

Lembre-se: seu corpo não vai avisá-lo quando for lesionar. Quando você sente dor significa que a sua caneta já furou o seu papel e agora você terá que esperar consertar a folha antes de continuar desenhando. Ainda brincando com essas analogias, o que você quer ser? Uma cartolina ou um papel de seda?

Meu nome é Bárbara Pessali Marques e sou bailarina e pesquisadora em dança. Entrei nessa área científica porque durante a minha formação de bailarina encontrei muitas barreiras físicas e meus professores não sabiam ao certo como me ajudar além de dizer “continue tentando”. Acontece que eu tentava, todos os dias, antes, durante e após as aulas, até que eu resolvi cursar a graduação em Educação Física para entender melhor “como tentar”. 


Bailarina: Flávia Vianna em Bastidores Centro de Treinamento


Durante a graduação percebi que a literatura científica sobre preparação física para bailarinos era quase inexistente, então continuei estudando para desenvolver um método que fosse específico para os bailarinos. Hoje sou Mestra em Biomecânica, estudo aspectos biomecânicos de bailarinos e tenho um Centro de Treinamento Físico especializado em bailarinos. O BASTIDORES CENTRO DE TREINAMENTO fica em Belo Horizonte e conta com 4 professoras que entendem as necessidades dos bailarinos e procuram, por meio do treinamento físico vencer barreiras para melhorar a técnica e performance em parceria com as companhias, escolas de dança e professores desses alunos!



Bailarina Andressa da Silva em Bastidores Centro de Treinamento


Foi trabalhando no Bastidores e unindo as pesquisas realizadas no BIOLAB – Laboratório de Biomecânica da UFMG, que desenvolvi um método de treinamento patenteado (O Best Performance and Movement) e um equipamento para mensuração e treinamento da flexibilidade de bailarinos, também em processo de patente. Acontece que aqui no Brasil estou de mãos atadas, pois ao contrário da Ciência do Esporte, a Ciência da Dança não é uma área de pesquisa desenvolvida e eu sou uma das poucas pessoas que tentam desbravar essa área em busca de saúde, desempenho e qualidade de vida para os bailarinos.

  
Bailarino Walleyson Malaquias em Bastidores Centro de Treinamento


Hoje sou doutoranda no Institute for Performance Research na Manchester Metropolitan University, uma universidade na Inglaterra que une os conhecimentos das áreas das Ciências do Esporte e da Dança. Estou sendo financiada pelo governo brasileiro por meio da CAPES e não só daqui a quatros anos retornarei ao Brasil com esse conhecimento como continuo em constante contato com a minha equipe do Bastidores enviando tudo de novo que é produzido no laboratório para acrescentar na preparação física dos bailarinos que treinam com a gente. Meu sonho é difundir a Ciência da Dança no Brasil, criando centros de pesquisa e treinamento específicos para bailarinos, para que eles possam ter carreiras mais saudáveis e longas. O Bastidores é apenas o pontapé inicial desse projeto.


Bailarina Silvia Maia em Bastidores Centro de Treinamento

*Texto primeiramente publicado em http://lojaanabotafogo.com.br/treinamento-fisico-para-bailarinos/


Local: Bastidores Centro de Treinamento (Rua Pium-í, 409 Cruzeiro, Belo Horizonte MG - 988701155)