quarta-feira, 22 de junho de 2016

Hoje foi um dia mágico. Um dia que eu não vou me esquecer nunca mais. O dia que eu fui convidada para conhecer o trabalho de preparação física na Royal Ballet. Sim! O Bastidores estava nos bastidores da Royal. A fisioterapeuta Moira nos mostrou cada cantinho daquela casa situada em Londres.

O final de semana já havia começado com muita emoção por ter sido uma das representantes da Ciência da Dança do Brasil (juntamente com Clara Gam e Adriano Bittar) a apresentar o meu trabalho no Carrers Days que aconteceu do Conservatório de Dança e Música Trinity Laban, também em Londres.



Fiquei sabendo que a batalha de buscar conhecimento em como aumentar o desempenho em bailarinos é compartilhada juntamente com a batalha de convencer os bailarinos da importância da preparação física! Tivemos uma mesa redonda para discutir como tornar esse conhecimento mais acessível aos bailarinos, pois a resistência em não cuidar no corpo corretamente vai além da falta de recursos financeiros para arcar com os treinamentos. A responsável pela preparação física dos bailarinos da companhia Alvin Ayle disse que repete aos seus bailarinos todos os dias “seu corpo é seu instrumento de trabalho, se você não cuidar do seu corpo, quem vai cuidar?”.

Depois de conhecer tantas pessoas importantes da área da ciência da dança e de ser reconhecida pelo trabalho que estou fazendo tanto na pesquisa quanto no Bastidores quase não consegui dormir. No dia seguinte levantei cedo pra ficar na porta da casa de óperas esperando, contemplando e meditando sobre o tamanho do sonho que me esperava lá dentro. As 11 horas Moira, uma das fisioterapeutas, veio nos receber com um sorriso gigantesco e muita boa vontade. Nos introduzimos brevemente e começamos nossa jornada.

As primeiras salas que nos foram apresentadas (sim plural... SALAS) foram as de preparação física! Os bailarinos tem atendimento fisioterápico para reabilitação, mas também tem fortalecimento com pilates e exercícios de musculação (opa! Coincidência nenhuma serem as mesmas atividades desenvolvidas no Bastidores, afinal de contas o Bastidores é o primeiro centro de treinamento especializado em bailarinos do Brasil e tem se inspirado nos centro de referência como a Royal).






O tempo todo os bailarinos se movimentavam entre as salas. Moira disse que a sala de ginástica acaba sendo, também, um momento social, no qual além de preparar o corpo deles para a demanda que o ballet exige (o Royal tem uma carga de espetáculos de 4 dias por semana!!!!!) eles conversam e descontraem (outra feliz “coincidência” com o Bastidores).

Fomos também na sala de sapatilhas; eles têm acesso a quantas sapatilhas precisarem e da marca e modelo que quiserem!


Após assistimos a barra da aula em que estavam se preparando para o espetáculo daquele dia. Em seguida conhecemos toda a estrutura do prédio, todas as salas de ballet e ensaio, onde os figurinos são confeccionados, por trás do palco, cantina, espaço de descanso para os bailarinos, todos os cantinhos daquele prédio de mais de 5 andares. E além de tudo... assistimos a aula!!!!





Então sentamos para conversar e apresentar nossos trabalhos. Afinal de contas, um centro de treinamento como o deles não seria perfeito se não houvesse pesquisa. Então expusemos nossas pesquisas, plantamos sementinhas e agora vamos aguardar o florescimento de algo muito especial.

Para fechar com chave de ouro fomos assistir o espetáculo em cartaz: 




Ainda estou no trem voltando de Londres para Crewe. Muitas ideias para o meu doutorado, mais ideias ainda para o Bastidores. Estou exausta, mas muito feliz! E por isso quis escrever esse post logo agora, mesmo que minha mão ainda esteja trêmula. Esse final de semana tive certeza de que estou no caminho certo! Segunda feira tem mais! Apresentarei minha pesquisa na Wolvehamton University, em um primeiro encontro para discutir uma parceria de colaboração entre o Brasil e o UK para o desenvolvimento da Ciência da Dança. Estou vivendo um sonho e a concretização desse sonho é o Bastidores.


quarta-feira, 25 de maio de 2016

O que a PREPARAÇÃO FÍSICA tem em comum com o CINTO DE SEGURANÇA?
Desabafo de uma cientista cansada.




Convencer um bailarino de que ele precisa preparar o seu corpo para dançar é quase igual convencer um motorista de que ele precisa usar o cinto de segurança. Todo mundo sabe que precisa pra ficar saudável/seguro, mas ninguém quer fazer/usar. 

Essa necessidade imediatista pelo resultado somada a lei da sobrevivência do menor esforço é um tiro pela culatra, porque a curto prazo o bailarino que não faz preparação física pode não se machucar, mas a longo prazo o pensamento "aaah se eu tivesse me protegido" vai surgir eventualmente.  

Muitas vezes a negação à preparação física se dá ao fato de que o processo é desgastante (sim, é, de certa forma, uma carga adicional de exercícios), outras vezes se dá pela falta de conhecimento (não porque o conhecimento não esteja sendo produzido, mas sim porque muitos ainda não quiseram se abrir para ele).

Meu papel como cientista passa longe de apenas produzir o conhecimento. Me sinto na obrigação de divulgá-lo porque sei a diferença que ele pode fazer na carreira de um bailarino. Mas o que adianta os cientistas produzirem e divulgarem, se o bailarino não está interessado? Se é mais cômodo continuar do jeito que está... uma vez que mudar é difícil, e o novo causa resistência e estranhamento. 

Eu poderia apenas pesquisar como profissão e publicar o meu trabalho em artigos científicos de linguajar complicado e de pouco acesso. Mas fico tentando mastigar o conhecimento para pessoas que não querem engolir!

Já usei todos os meus argumentos e comprovações científicas para destacar a importância e a necessidade da preparação física para os bailarinos (vide posts anteriores), cansei de fazê-lo de graça ou por um preço irrisório porque coloco tanto amor nesse trabalho que quero apenas distribuí-lo. Frustrações me fizeram ver a realidade e enxergar mais racionalmente.

Muitas vezes tenho vontade de desistir de tentar preencher essa lacuna gigantesca entre a ciência da dança e a prática da dança, mas não desisto porque sei que tudo o que é novo é desafiador e tudo o que é desafiador é difícil! 

Longe de mim me comparar a Einstein, mas perto de mim me inspirar nele. Quando primeiro propôs sua teoria da luz e a conexão entre o espaço e o tempo ouviu que seu trabalho era "RADICAL" e suas suposições mais "ARTÍSTICAS DO QUE FÍSICAS"!

Posso ouvir ainda por muito tempo que a preparação física é desnecessária ou uma perda de tempo dentro da aula de ballet, porque quando esse pensamento não existir mais, lembrarão (mesmo que vagamente) da minha luta (e de todos que estão comigo) nessa batalha. 

Obrigada àqueles que acreditam no trabalho e me motivam a continuar. Estarei sempre aberta aos que querem aprender e buscar conhecimento comigo (porque estarei sempre tentando crescer) mas não vou mais abrir os braços pra quem não quiser me abraçar.









quinta-feira, 31 de março de 2016

"O primeiro centro especializado em condicionamento de bailarinos foi fundado no Brasil. Dirigido por um dos membros do IADMS, a doutoranda Bárbara Pessali-Marques, o Bastidores Centro de Treinamento promove preparação física e reabilitação para bailarinos no sudeste do Brasil. Com uma equipe multidisciplinar formada por Fisioterapeutas, profissionais de Educação Física e Nutricionistas com conhecimento específico sobre a saúde dos bailarinos, o estúdio também oferece cursos para professores de dança e conduz pesquisas clínicas na área."

Foi assim que a pesquisadora em dança Clara Fisher Gam citou o trabalho realizado no Bastidores em mais um post foi publicado por ela na International Association for Dance and Medicine Science sobre a realidade da pesquisa, preparação física e prevenção de lesões em bailarinos no Brasil.

Não perca o artigo completo em:

http://www.iadms.org/blogpost/1177934/242346/Bridging-Dance-and-Health-in-Brazil-III-Taking-Action


Best Performance and Movement
Bastidores Centro de Treinamento Personalizado
Bailarina: Luiza Castilho
Foto: Bárbara Pessali Marques





quinta-feira, 17 de março de 2016

Como o pensamento pode influenciar na sua carreira como bailarino? Já ouviu falar em AUTOEFICÁCIA?

Quando digo aos meus alunos que o pensamento tem poder, e que o primeiro passo para a realização de um sonho é o pensamento de que ele é capaz de realizá-lo, não estou me referindo a algo simbólico, mas sim a uma realidade que pode ser comprovada cientificamente.


Muitos autores tem estudo sobre a AUTOEFICÁCIA, mas poucas pesquisas foram feitas estudando a autoeficácia em bailarinos e portanto, firmei uma parceria com uma pesquisadora e professora da Universidade do Estado de Minas Gerais para desenvolvermos pesquisas sobre esse tema.

Camila Bicalho é Mestre em Ciências do Esporte pela Universidade Federal de Minas Gerais/Laboratório de Psicologia do Esporte e minha parceira para a realização futuros estudos nessa área envolvendo bailarinos.

Resumidamente a Autoeficácia refere-se aos julgamentos que as pessoas fazem das suas próprias habilidades. Essa avaliação é produto de complexos processos de autoperssuasão e seu processamento cognitivo é proveniente de experiências pessoais de desempenho, dentre outros fatores que podem influenciar na capacidade que a pessoa ACHA que tem.

Após uma pesquisa na literatura encontramos apenas seis artigos que pesquisaram sobre a autoeficácia em bailarinos e esses estudos concluíram que a autoeficácia, ou seja, a forma com que a pessoa enxerga o seu potencial, é capaz de influenciar o desempenho do bailarino, seja ele profissional, amador, adulto ou criança.

Isso significa que os bailarinos que acreditam que podem realizar um movimento, ou conquistar um papel têm mais chances, CIENTIFICAMENTE COMPROVADAS, de fazer isso virar realidade.

Então, acredite no seu potencial, não deixe que ninguém te desvalorize ou diga que você não é capaz, que não tem o perfil, que nunca vai chegar lá!

Autor desconhecido


Logo logo publicarei um outro post sobre a influência do professor na formação da autoeficácia do seu aluno e como isso pode alavancar ou destruir uma carreira.

Mas lembre-se! ACREDITAR que você é capaz já é meio caminho andado. Afinal de contas... o pensamento tem poder!




Referencias

Bandura, A. (1993). Perceived self-efficacy in cognitive development and functioning. Educational Psychologist, 28(2), 117-148. doi: 10.1207/ s15326985ep2802_3

Bandura, A. (2001). Social cognitive theory: An agentic perspective. Annual Review of Psychology, 52(1), 1-26

CALVO-MERINO, Beatriz et al. Action observation and acquired motor skills: an FMRI study with expert dancers. Cerebral cortex, v. 15, n. 8, p. 1243-1249, 2005.

DOYLE-LUCAS, Ashley F.; DAVY, Brenda M. Development and evaluation of an educational intervention program for pre-professional adolescent ballet dancers: nutrition for optimal performance. Journal of Dance Medicine & Science, v. 15, n. 2, p. 65-75, 2011.

EUSANIO, Jacqueline; THOMSON, Paula; JAQUE, S. Perfectionism, shame, and self-concept in dancers: a mediation analysis. Journal of Dance Medicine & Science, v. 18, n. 3, p. 106-114, 2014.

Feltz, D. L., & Chase, M. A. (1998). The measure of self-efficacy and confidence in sport. Em J. L. Duda (Org.), Advances in sport and exercise psychology measurement (pp. 765-776). Purdue: Book Craffers.

GARCÍA-DANTAS, Ana; QUESTED, Eleanor. The effect of manipulated and accurate assessment feedback on the self-efficacy of dance students.Journal of Dance Medicine & Science, v. 19, n. 1, p. 22-30, 2015.

GRUEN, Arno. The relation of dancing experience and personality to perception. Psychological Monographs: General and Applied, v. 69, n. 14, p. 1, 1955.

NORDIN-BATES, Sanna M. et al. Injury, imagery, and self-esteem in dance healthy minds in injured bodies?. Journal of dance medicine & science, v. 15, n. 2, p. 76-85, 2011.

PETRIDES, Kostantinos V.; NIVEN, Lisa; MOUSKOUNTI, Thalia. The trait emotional intelligence of ballet dancers and musicians. Psicothema, v. 18, n. 1, p. 101-107, 2006.

SILVA, Andressa Melina Becker da et al.Escala de Autoeficácia para Bailarinos (AEBAI): construção e evidências de validade. Aval. psicol. [online]. 2015, vol.14, n.1, pp. 83-88. 

segunda-feira, 7 de março de 2016

Ainda na linha da reflexão "o bailarino tem que ser magro?" conversei com a bailarina Amanda Lana.

Amanda Lana

Amanda foi uma das minhas primeiras alunas de preparação física para bailarinos quando comecei a trabalhar e estudar essa área em parceria com a Compasso Academia de Dança.

Ela sempre foi muito talentosa e teve uma boa formação na Compasso, formação esta que incluía a preparação física comigo. Aos 15 anos ganhou uma vaga para estudar na Academie Princesse Grace, mesmo assim conta das dificuldades que passou com seu físico:

"Eu passei sim dificuldades por causa do meu físico, e até hoje tenho que tomar muito cuidado. Como eu sou relativamente baixa, o meu peso deve ser bem controlado e estável. Passei por uma época que estava bem acima do peso, e realmente não estava melhorando na questão da técnica da dança.

Por sorte tive pessoas me alertando e me ajudando a passar por isso. É sim desconfortável e abalável. Até hoje eu estou sempre lutando contra minhas vontades e tentando manter um corpo saudável. Tem horas que eu estou tão preocupada com a minha aparência que parte do meu trabalho não serve de nada porque não tenho a concentração no que realmente importa. Agora eu lido bem melhor com essa situação e aos poucos estou conhecendo melhor meu corpo.

Na minha turma eu era a única com esse problema. Eu tentava não ligar e não dar muita importância para o que os outros falavam. Tive de emagrecer 4 kg para ter certeza que seria aprovada para o ano seguinte."

Quando Amanda me enviou esse comentário eu logo pensei: "o que será que é estar acima do peso para Amanda? Qual o padrão ou referência ela está usando para chegar nessa conclusão?" Ainda mais por conhecê-la e saber que o que ela chama de "acima do peso" é de longe algo que poderia influenciar na sua melhora técnica. 

Amanda Lana



Quando Amanda voltou de férias para o Brasil ameaçada de perder sua vaga por causa desses tais 4 quilos, ela me procurou e fez um intensivo no Bastidores. Trabalhamos junto com o acompanhamento que ela estava fazendo com nutricionista buscando diminuir sua massa gorda e aumentar sua massa magra. Por mais que as suas circunferências diminuíssem e ela aparentasse mais magra, o peso na balança não diminuia e Amanda sofria com a pressão dos 4 quilos.

Amanda Lana treinando no Bastidores durante suas férias no Brasil


Então eu disse a ela (e me lembro como se fosse ontem): "Amandinha, vamos fazer o seguinte. Vamos diminuir o seu percentual de gordura, e aumentar sua massa magra, com isso você vai ficar aparentemente mais magra, mesmo que o seu peso não diminua. Quando você voltar para a sua escola eu duvido que o seu diretor vai querer te pesar, porque ele vai VER que você está mais magra. E se ele o fizer, você levará um relatório meu mostrando as suas composições corporais e que você perdeu até mais do que quatro quilos de gordura, mas que como seus músculos pesam mais que gordura, isso não é visível na balança."

Não sei se Amanda foi pesada ou não na escola. Só sei que não precisei fazer relatório e esse ano ela se forma. Além do mais, já está contratada pela Royal Swedish Ballet!

Amanda é o exemplo de talento e trabalho em equipe.


Amanda Lana






Continuo a refletir sobre a questão "O Bailarino tem que ser magro?", o que é "ser magro"?, até que ponto a necessidade de "ser magro" ajuda ou atrapalha uma carreira?

Pensando nisso busquei ajuda de duas pessoas que dividiram a caminhada da dança comigo em momentos distintos da minha carreira. 

Hoje posto sobre a Bruna Bizzotto. Bruna estudou comigo no Centro de Formação Artística do Palácio das Artes - CEFAR. Dividimos turmas, coreografias e até o mesmo papel como solistas. Enfrentamos juntas a pressão do "senão você não subirá ao palco" ou "senão você será substituída", acredito que nos tornamos mulheres mais fortes. Mas a custo de que? 

Bruna dividiu alguns sentimentos dela conosco:

"Sempre passei por esse problema do físico! Nunca fui magrinha e sempre tive bumbum e coxas avantajadas que me fizeram ouvir sempre que estava gorda, que para conseguir um papel ou mesmo me manter na cia teria que emagrecer e ficar igual fulana... Sempre! Passar por isso, num período tão complicado como a adolescência, teve (e ainda tem) reflexos diretos na auto estima, na confiança e em diversos outros aspectos da vida! Eu era uma boa bailarina, esforçada, dedicada e talentosa. Sei reconhecer isso hoje mas antes era impossível pra mim! De nada adiantava ser boa sem ser magricela! Certa vez eu fui na minha fisioterapeuta anja (Andrea Mourão) e ela me disse que eu estava bem magra. Eu contei que minha diretora havia acabado de me falar que eu tinha que emagrecer uns 5 quilinhos pelo menos. Ela me sentou, me disse que se eu emagrecesse mais que aquilo, ia comprometer meu ciclo menstrual e que eu perderia massa muscular tão importante para o trabalho de um bailarino (e principalmente para o tipo de trabalho da cia que eu dançava). 

                            
                                                                             Bruna Bizzotto


Minha criação e apoio familiar principalmente por parte da minha mãe nunca me deixaram adoecer (apesar de diversas tentativas de tomar remédio escondido, tentar forçar vômito, parar de comer...)! Mas o que mais me chateia é ver que agora, que parei de dançar, e ganhei mais peso, eu não curti o meu corpo enquanto ele estava em sua melhor fase! Eu era linda e me fizeram acreditar que era gorda, que não estava bem e que ser gorda é a pior coisa do mundo!  


                                                                       Bruna Bizzotto


Não sou frustrada e acho que parar de dançar foi a melhor escolha da minha vida. Abriu meus horizontes, me fez deixar de abaixar a cabeça pra tudo que me é imposto, me fez reconhecer o meu valor real e entender que sou muito mais do que um corpo que, independente da qualidade do que ele desenvolve e de seu talento, se não está extremamente magro, de nada adianta!

Um beijo Babi! Que você consiga fazer a diferença nesse mundão da dança e em tudo que você se propõe!

Sucesso SEMPRE!"

Quando fiquei sabendo que a Bruna tinha parado de dançar meu coração doeu. Será que se os professores tivessem sido mais conscientes Bruna estaria dançando até hoje? Afinal de contas, o que são 5 quilos? Que medida mágica é essa que torna uma pessoa uma bailarina? Meu sonho e batalha de hoje é que os professores troquem a frase: "você tem que emagrecer!" ou "você está 5kg acima do peso" por "vamos te encaminhar para uma equipe multidisciplinar composta por profissionais qualificados para medir o seu percentual de gordura, circunferências, flexibilidade, força, testes de sangue e propor um treinamento complementar acompanhado por nutricionista, sem sofrimento, cuidando da sua saúde física e mental, afinal de contas, estamos todos do mesmo lado...".

Será que isso vai ser possível um dia? O Bastidores foi criado pra isso, mas a batalha é tão longa e intensa! Talvez daqui uns 20 anos eu releia esse post e me sinta orgulhosa por ter conseguido fazer o que a Bruna me incentivou:

"fazer a diferença nesse mundão da dança e em tudo que você se propõe".


       
                                   
                                                                         Bruna Bizzotto



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016


Hoje venho apresentar dois links publicados no International Association for Dance Medicine and Science pela pesquisadora Clara Fisher Gam sobre a Ciência da Dança no Brasil.

Me sinto muito orgulhosa por ser uma das pioreiras na área da Ciência da Dança no Brasil e portanto, ter podido contrubuir para essas publicações!

Confiram os posts na página da associação pelos links:

Bridging Dance and Health in Brazil, Part I: The early steps of an emerging field.

http://www.iadms.org/blogpost/1177934/237549/Bridging-Dance-and-Health-in-Brazil-Part-I-The-early-steps-of-an-emerging-field?hhSearchTerms=%22clara%22&terms=

Bridging Dance and Health in Brazil II: Raising Awareness

http://www.iadms.org/blogpost/1177934/240005/Bridging-Dance-and-Health-in-Brazil-II-Raising-Awareness


segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Por que o bailarino tem que ser magro?

Existem alguns motivos que fazem com que o bailarino deva ser “magro”; estética é o primeiro, mas não o mais importante. O segundo é devido ao peso que os bailarinos do sexo masculino (mesmo feminino hoje em dia) tem que suportar para carregar seus colegas de cena. Ainda mais considerando jovens bailarinos (ou aqueles que também não fizeram fortalecimento e, portanto, são fracos).

O terceiro motivo é por conta da sobrecarga em articulações e na unidade músculo-tendão (músculo). Um estudo realizado por AQUINO e colaboradores em 2010 sugere que os bailarinos estão expostos à impactos no solo que podem lesionar e HAMILTON e colaboradores em 2006 analisaram o impacto dos saltos e aterrissagens no ballet sugerindo um impacto de três a cinco vezes o peso corporal.

Isso significa que se uma bailarina pesa 50 kg, ao aterrissar suas estruturas corporais (tornozelo, joelhos, quadril e coluna principalmente) devem estar preparados para receber uma carga de 150 a 250 kg por salto! Se ela executa 10 saltos, o impacto pode ser de 1500 a 2500 kg por dia (cá entre nós sabemos que um bailarino não executa apenas 10 saltos por dia...). Se essa mesma bailarina engorda e passa a pesar 60 kg, esses valores passam a ser de 180 a 300 kg por salto!

Um quarto motivo é o fato de que, se o bailarino é mais pesado a força que ele mesmo tem que fazer para sustentar a própria perna ou qualquer outro segmento corporal é maior. Logo, developpés, grand battements e todos os passos podem ficam simplesmente “mais difíceis”.

Gostaria de deixar claro que quando falo de engordar estou me referindo a ganho de gordura. Uma coisa que nem todos sabem é que músculo pesa mais que gordura, mas ocupa menos espaço. Lembra da pegadinha do “o que pesa mais? 1 kg de algodão ou 1 kg de ferro?”. Os dois pesam o mesmo tanto, mas o algodão ocupa um volume muito maior. O mesmo com o músculo e a gordura.
Volume ocupado por 1kg de gordura (esquerda) e 1kg de músculo (direita)


É importante estabelecer essas diferenças porque muitos bailarinos que iniciam a preparação física acham que engordaram ao subirem na balança e constatarem que o peso aumentou. Cegos com o que acham que o peso significa, criados por valores e conhecimentos errados, saem correndo da preparação física. Aviso: A BALANÇA NÃO MEDE O SEU PERCENTUAL DE GORDURA. O que acontece na maioria dos casos é que você aumentou sua massa magra (músculo) e diminuiu sua massa gorda (gordura). Você está aparentemente mais “fino”, a circunferência dos seus membros diminuiu, mas na balança o seu peso pode ter aumentado. O que isso significa? Que você está como deve ser, forte e magro. BENNELL e colaboradores (1999) concluíram em sua pesquisa que uma boa carreira clássica demanda de um bailarino FORTE e flexível. Então a partir de hoje, não tente avaliar o seu físico pelo peso medido na balança, e não aceite comentários como “você está gordo!” só porque você pesa mais que outra pessoa.

Quando faço esse discurso sempre ouço a pergunta quase imediata: “Mas então se eu tiver menos músculos eu vou ser mais leve e poderei sustentar minha perna mais alto ou saltar mais alto!” Não!!! Porque os responsáveis pelo movimento do esqueleto são os músculos, se você tiver menos você vai saltar mais baixo e não vai sustentar sua perna alta. Quanto mais músculos mais força, mesmo que o seu peso aumente, a capacidade de geração de força de um músculo é muito maior que o peso desse mesmo músculo e não é porque o seu peso aumentou que a circunferência dos seus músculos também aumentou.

Infelizmente ainda recebemos alunos no Bastidores que chegam estabelecendo as regras (de todos os seus 5 minutos de pesquisas na internet ou de conselhos errados que ouviram) “Quero treinar apenas minha flexibilidade porque se eu fizer musculação vou ficar com a coxa muito grossa”. Essa frase é tão comum que Twitchett e colaboradores (2009) fizeram uma pesquisa sobre isso e destacaram que dançarinos temem realizar o treinamento de força, por medo da ocorrência de hipertrofia (aumento de massa magra), que poderia prejudicar a estética do bailarino. 

No entanto, poucos bailarinos sabem que não é bem assim. A carga de treinamento pode ser manipulada para aumentar a força sem necessariamente resultar em hipertrofia (WEINECK, 1991). Mas esse pré-conceito está tão estabelecido em suas mentes que só em ouvir a palavra “caneleira” eles entram em desespero.

Gostaria agora de fazer um apelo aos pais e aos professores desses bailarinos. Vamos parar de acreditar em afirmações sem embasamento científico. Peso não é referência, precisamos de mais medidas como circunferência e percentual de gordura para avaliar o físico de um atleta/bailarino. Trabalho de força é essencial para uma carreira saudável, não associem musculação com hipertrofia, temos pesquisas suficientes para provar que treinamento de força não necessariamente fará com que o seu músculo aumente de volume, e pesquisas suficiente que demonstram a importância do treinamento de força na dança.

Professor, vamos acabar com a lacuna entre Ciência da Dança e prática da dança, oriente o seu bailarino de forma adequada, se você precisar de ajuda O BASTIDORES ESTÁ AQUI PARA TREINAR O SE ALUNO JUNTO COM VOCÊ! Lembre-se que você é a maior referência para o seu aluno. Artigos científicos e pesquisas caem por terra quando você faz uma afirmação, o seu aluno vai acreditar no que você disser, então... CUIDADO.

Pais, não deixem o seu filho bailarino ser influenciado por afirmações de conhecimento popular sem embasamento científico que podem atrapalhar a carreira e afetar o emocional dele.

Este post é um apelo ao pais e professores dos bailarinos. Um apelo do fundo do coração de uma pessoa que vê o constante sofrimento devido ao perfil físico imposto principalmente aos bailarinos clássicos, e mais do que isso, a errada ideia que é passada em busca da aquisição desse perfil.


Misty Copeland. Primeira Bailarina do American Ballet
"Sua coxa não é tão fina, seus braços não são tão compridos, ela tem muito peito para uma bailarina, ela é muito musculosa... ela é negra!" Foram comentários que ela provavelmente ouviu que fizeram ela quase desistir, mas ela passou por cima de todo o esteriótipo da bailarina com sua técnica e talento. 
Sua força, física e emocional fizeram ela fazer história.

Referências:

AQUINO, C.F.; et al. Análise da relação entre dor lombar e desequilíbrio deforça muscular em bailarinas. Fisioter. Mov. v. 23, n. 3, p. 399-408, Jul/Set, 2010.


HAMILTON, D.;et al. Dance training intensity at 11–14 years is associated withfemoral torsion in classical ballet dancers. Br. J. Sports Med. v. 40, n. 4, p. 299-303, Abr, 2006.

BENNELL K.; et al. Hip and ankle range of motion and hip muscle strength in young novice female ballet dancers and controls. Br. J. Sports Med. v. 33, n. 5, p. 340-346, Out, 1999.

TWITCHETT, Emily A.; KOUTEDAKIS, Yiannis; WYON, Matthew. Physiological fitness and professional Classical ballet performance: abrief review. The Journal of Strength and Conditioning Research. v.23, n. 9, p.2732 -2740, dez. 2009.

WEINECK, Jurgen. Biologia do esporte. São Paulo: Manole, 1991, cap. 4, p.181-205. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Por que a preparação física é importante na dança?

Muitos professores e bailarinos não compreendem a real importância da Preparação Física para Bailarinos e existe uma lacuna gigantesca entre a pesquisa em Ciência da Dança e a prática da dança. Acontece que lesionar hoje é tão comum que é considerado "normal", mesmo em crianças de 10 anos, logo na fase em que estão aumentando a carga de aulas e ensaios, e, infelizmente, muitas das lesões são ocasionadas por excesso, é o que chamamos de lesões crônicas.

Para entender melhor o que é uma lesão crônica vamos imaginar por exemplo uma folha de papel e uma caneta. Se você encostar a caneta na folha você pode fazer um belo desenho, mas se você continuar engrossando as linhas do seu desenho para tentar deixar ele "perfeito" uma hora a folha vai rasgar em um dos pontos em que você passou a caneta mais vezes. 



O mesmo acontece com o nosso corpo. Se você fizer um movimento você não vai se lesionar, mas se você repetir muitas vezes o mesmo movimento alguma parte do seu corpo que foi solicitada muitas vezes pode não aguentar.  O famoso ditado popular “água mole em pedra dura tanto bate até que fura" é uma excelente analogia para entender o que é lesão crônica.

"Mas a concorrência é muito grande e eu preciso ensaiar muito para adquirir a técnica que eu gostaria ou que meu professor/coreógrafo exige para que eu conquiste o papel de destaque na peça!"

O que é certo então para adquirir uma boa técnica e não lesionar?  Fazer duas aulas todos os dias? Uma aula todos os dias? Uma aula três vezes na semana? A resposta certa é: DEPENDE.

Depende da intensidade da aula, depende dos movimentos que você faz, depende do que mais você faz no seu dia, depende das suas horas de sono, depende do que você come e depende principalmente se o seu corpo está preparado para aquela sobrecarga. Ou seja, essa resposta é completamente INDIVIDUAL.

"Como eu posso saber se o meu corpo está preparado?" 

Existem testes de força, flexibilidade, postura, capacidade aeróbica e anaeróbica que podem fornecer informações importantes sobre o seu estado físico atual. Mas esses testes são só metade do caminho, o profissional de Educação Física responsável pelo seu treinamento precisa entender de dança e manter contato com os seus professores para tentar estimar (infelizmente não temos como medir precisamente porque precisamos de equipamentos laboratoriais para isso) a intensidade das aulas que você faz.

Dessa forma temos uma equação simples que será representada abaixo:
Se sua força é 10 e a força que você precisa para dançar é 12 você vai machucar, porque você precisa de 2 forças a mais. Mas se sua força é 14 e você precisa de 12 você não vai machucar, porque você ainda tem 2 forças a mais do que a sua dança requer.

Então a importância da Preparação Física é deixar o seu corpo preparado para o esforço que você precisa realizar, independente se sua necessidade é de uma aula por dia ou de 8 horas por dia dançando. 

Não podemos dizer que preparando o seu físico você NUNCA vai machucar, porque todos os esportes e atividades de alto rendimento estão predispostos a lesões, já que tentamos sempre alcançar o nosso máximo. Mas, com certeza, podemos dizer que a probabilidade de você lesionar seria consideravelmente reduzida. 

Quanto mais cedo você começar com a preparação física mais garantia do sucesso desse trabalho você terá. Porque uma vez lesionado retornar ao corpo saudável sem parar de dançar é uma tarefa muito árdua, e quando você já faz atividades por 6 horas por dia acrescentar mais duas horas de treinamento especializado por semana pode até ser uma sobrecarga maior, se não for adequada por profissionais conscientes. 

Por último, mas não menos importante, a Preparação Física pode te ajudar a melhorar o seu desempenho com exercícios específicos para os passos que você não dá conta de fazer nas aulas ou coreografias, já que muitas vezes o insucesso na realização de um passo não é devido à falta de consciência técnica, mas sim pela falta de capacidades físicas para realizá-lo.  

Todas as modalidades esportivas de alto rendimento possuem profissionais da área do treinamento em equipes multidisciplinares compostas por profissionais de Educação Física, Fisioterapia e Nutrição, dentre outros, para preparar seus atletas. Está na hora de introduzirmos esse trabalho na dança!

Lembre-se: seu corpo não vai avisá-lo quando for lesionar. Quando você sente dor significa que a sua caneta já furou o seu papel e agora você terá que esperar consertar a folha antes de continuar desenhando. Ainda brincando com essas analogias, o que você quer ser? Uma cartolina ou um papel de seda?

Meu nome é Bárbara Pessali Marques e sou bailarina e pesquisadora em dança. Entrei nessa área científica porque durante a minha formação de bailarina encontrei muitas barreiras físicas e meus professores não sabiam ao certo como me ajudar além de dizer “continue tentando”. Acontece que eu tentava, todos os dias, antes, durante e após as aulas, até que eu resolvi cursar a graduação em Educação Física para entender melhor “como tentar”. 


Bailarina: Flávia Vianna em Bastidores Centro de Treinamento


Durante a graduação percebi que a literatura científica sobre preparação física para bailarinos era quase inexistente, então continuei estudando para desenvolver um método que fosse específico para os bailarinos. Hoje sou Mestra em Biomecânica, estudo aspectos biomecânicos de bailarinos e tenho um Centro de Treinamento Físico especializado em bailarinos. O BASTIDORES CENTRO DE TREINAMENTO fica em Belo Horizonte e conta com 4 professoras que entendem as necessidades dos bailarinos e procuram, por meio do treinamento físico vencer barreiras para melhorar a técnica e performance em parceria com as companhias, escolas de dança e professores desses alunos!



Bailarina Andressa da Silva em Bastidores Centro de Treinamento


Foi trabalhando no Bastidores e unindo as pesquisas realizadas no BIOLAB – Laboratório de Biomecânica da UFMG, que desenvolvi um método de treinamento patenteado (O Best Performance and Movement) e um equipamento para mensuração e treinamento da flexibilidade de bailarinos, também em processo de patente. Acontece que aqui no Brasil estou de mãos atadas, pois ao contrário da Ciência do Esporte, a Ciência da Dança não é uma área de pesquisa desenvolvida e eu sou uma das poucas pessoas que tentam desbravar essa área em busca de saúde, desempenho e qualidade de vida para os bailarinos.

  
Bailarino Walleyson Malaquias em Bastidores Centro de Treinamento


Hoje sou doutoranda no Institute for Performance Research na Manchester Metropolitan University, uma universidade na Inglaterra que une os conhecimentos das áreas das Ciências do Esporte e da Dança. Estou sendo financiada pelo governo brasileiro por meio da CAPES e não só daqui a quatros anos retornarei ao Brasil com esse conhecimento como continuo em constante contato com a minha equipe do Bastidores enviando tudo de novo que é produzido no laboratório para acrescentar na preparação física dos bailarinos que treinam com a gente. Meu sonho é difundir a Ciência da Dança no Brasil, criando centros de pesquisa e treinamento específicos para bailarinos, para que eles possam ter carreiras mais saudáveis e longas. O Bastidores é apenas o pontapé inicial desse projeto.


Bailarina Silvia Maia em Bastidores Centro de Treinamento

*Texto primeiramente publicado em http://lojaanabotafogo.com.br/treinamento-fisico-para-bailarinos/


Local: Bastidores Centro de Treinamento (Rua Pium-í, 409 Cruzeiro, Belo Horizonte MG - 988701155)